Por Flávio Christo
Tentei
achar outros termos pra descrever minha situação. Fui dos mais chulos aos mais
requintados, mas nada demonstrava melhor o que eu queria dizer do falar que:
- Eu
estava fodido! Inexorável e irremediavelmente na merda.
A
semana começou com a segunda feira quente, compensando toda a chuva que caiu na
folga. Meu cachorro ficou doente, cagou a casa toda. Minha vizinha de baixo
reclamou do cheiro e do choro. Recebi uma multa de condomínio. Por ficar
limpando a casa, mal dormi durante a noite, o dia de trabalho por isso não
rendeu. À noite, na faculdade, cochilei
durante a aula. Cheguei em casa e tudo estava cagado de novo. Repete o ciclo na
terça.
Ao
fim da semana não consegui bater minha meta, por causa disso, a promoção que eu
esperava não veio e foi dada ao cara mais canastrão de todos. Aquele que ganha
mérito no serviço da gente. Pra piorar, na sexta feira teve prova, que eu não
sabia da existência porque dormi na aula, e não sabia a matéria pelo mesmo
motivo. Resumindo, me ferrei.
No
domingo fui à casa da minha mãe, precisava de colo, de sossego e de um lugar
pra deixar o cachorro correr. Não agüentava mais ele latindo no
apartamento. Mas eu acho que, se existe,
em alguma instância, em algum lugar, de alguma forma, algo que controle a sorte
de uma pessoa, a que deveria controlar a minha vida estava em coma. Começou a chover, meu cachorro ficou preso do
outro lado do quintal. Minha mãe ao ir buscá-lo, caiu e quebrou a perna, no
caminho pro hospital, bati o carro.
Parece
exagero, falando tudo assim resumido, uma coisa atrás da outra. Mas é que
desgraça, quando reunida, parece sempre mais volumosa. Nunca fui de crendices,
mas depois dessa semana eu resolvi apelar pra alguma coisa. Dei uma chegada num
centro de umbanda perto de casa e pedi proteção, comunguei na igreja, jejuei e
tomei um passe espírita. Tentei de tudo que pudesse me tirar da maré. No dia
seguinte, minha namorada terminou comigo. Perdi o emprego. Resumo: Multa de
condomínio, remédio pro cachorro, mãe com perna quebrada, dente faltando –
resultado da batida – ferro na faculdade, sem namorada e sem emprego. Isso em
sete dias corridos, nem foram dias úteis.
O
relógio bateu sete horas e eu acordei mais pelo hábito que pela obrigação. A idéia
de estar desempregado ainda não tinha fixado na mente. De qualquer forma
lembrar que poderia dormir um pouco mais me fez sorrir. Deitei, não consegui
fechar os olhos de novo. Levantei. Fui para o computador e fiz um currículo caprichado.
Enviei pra umas dez empresas. Esperei. O dinheiro foi acabando, a paciência, a
comida. Ah sim, já tinha dentes de novo, gastei o seguro desemprego arrumando - O cachorro
finalmente parou de cagar em tudo – pelo menos a casa já não cheirava tão mal.
Minha mãe ligou – ta tudo bem mãe/ e a perna, melhorou? – não queria dizer pra
ela a merda em que eu me encontrava. A
perna pelo menos melhorava. Agora faltavam só dois meses de pinos. Depois
cirurgia e fisioterapia. De alguma forma me sentia culpado pela perna dela,
primeiro porque foi o meu cachorro que estava preso no quintal, segundo porque
foi culpa da minha maré de falta de sorte (descobri que falar azar dá azar -
ops).
Comi
a ultima banana da fruteira. A lata de arroz tava quase vazia. Mamãe precisava
saber. Quatro reais no bolso. Era a passagem de ônibus apenas. Ida e volta. O ponto
era em frente à uma casa lotérica. O vendedor falou – é burro na cabeça. 0912,
milhar boa, vai uma ai? – aquilo era ultrajante. O bilhete custava dois reais,
o preço da passagem de volta, se a mamãe não estivesse em casa vou teria que
voltar à pé, mas a coincidência é demais, 09/12 a data do meu aniversário - Não
resisti, comprei.
Mamãe
não estava em casa - Puta que pariu - São oito quilômetros de volta, a pé -
porque gastei minha grana nessa merda de bilhete? – Cachaça sempre tem que te
ofereça. Alves, ex-companheiro de trabalho, me chamou pra uma depois que nos
encontramos no meio do caminho. Fiquei sem graça de pedir o dinheiro emprestado
mas aceitei a aguardente de bom grado. Bebi o copo liso em dois goles. Aquilo
era o melhor que eu tinha em dias. Na TV empoeirada do botequim, passava o
jornal. O repórter com a voz empossada, engravato, falava à distância daquilo
que eu vivia na pele – o desemprego subiu 2% em setembro e blá blá blá – parei
de prestar atenção e comecei a conversar com o Alves. Cinco minutos depois ele
pediu silencio. Olhou fixo pra televisão – perai, é o resultado da loto! – Olhei
também, odiando ter gastado minha ultima grana com essa merda. Um minuto depois
estava murmurando “finalmente acordou hein rapaz...” mais pra mim do que pra
qualquer outra pessoa. Alves me pegou nesse momento meio desprevenido – Tá falando
com quem cara? – perguntou com cara de riso – Nada não – respondi – só acabei
de me tocar que Deus existe.
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