terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Fim de setembro


Por Flávio Christo
Tentei achar outros termos pra descrever minha situação. Fui dos mais chulos aos mais requintados, mas nada demonstrava melhor o que eu queria dizer do falar que:
- Eu estava fodido! Inexorável e irremediavelmente na merda.
A semana começou com a segunda feira quente, compensando toda a chuva que caiu na folga. Meu cachorro ficou doente, cagou a casa toda. Minha vizinha de baixo reclamou do cheiro e do choro. Recebi uma multa de condomínio. Por ficar limpando a casa, mal dormi durante a noite, o dia de trabalho por isso não rendeu.  À noite, na faculdade, cochilei durante a aula. Cheguei em casa e tudo estava cagado de novo. Repete o ciclo na terça.
Ao fim da semana não consegui bater minha meta, por causa disso, a promoção que eu esperava não veio e foi dada ao cara mais canastrão de todos. Aquele que ganha mérito no serviço da gente. Pra piorar, na sexta feira teve prova, que eu não sabia da existência porque dormi na aula, e não sabia a matéria pelo mesmo motivo. Resumindo, me ferrei.
No domingo fui à casa da minha mãe, precisava de colo, de sossego e de um lugar pra deixar o cachorro correr. Não agüentava mais ele latindo no apartamento.  Mas eu acho que, se existe, em alguma instância, em algum lugar, de alguma forma, algo que controle a sorte de uma pessoa, a que deveria controlar a minha vida estava em coma.  Começou a chover, meu cachorro ficou preso do outro lado do quintal. Minha mãe ao ir buscá-lo, caiu e quebrou a perna, no caminho pro hospital, bati o carro.
Parece exagero, falando tudo assim resumido, uma coisa atrás da outra. Mas é que desgraça, quando reunida, parece sempre mais volumosa. Nunca fui de crendices, mas depois dessa semana eu resolvi apelar pra alguma coisa. Dei uma chegada num centro de umbanda perto de casa e pedi proteção, comunguei na igreja, jejuei e tomei um passe espírita. Tentei de tudo que pudesse me tirar da maré. No dia seguinte, minha namorada terminou comigo. Perdi o emprego. Resumo: Multa de condomínio, remédio pro cachorro, mãe com perna quebrada, dente faltando – resultado da batida – ferro na faculdade, sem namorada e sem emprego. Isso em sete dias corridos, nem foram dias úteis.
O relógio bateu sete horas e eu acordei mais pelo hábito que pela obrigação. A idéia de estar desempregado ainda não tinha fixado na mente. De qualquer forma lembrar que poderia dormir um pouco mais me fez sorrir. Deitei, não consegui fechar os olhos de novo. Levantei. Fui para o computador e fiz um currículo caprichado. Enviei pra umas dez empresas. Esperei. O dinheiro foi acabando, a paciência, a comida. Ah sim, já tinha dentes de novo, gastei o seguro desemprego arrumando  -  O cachorro finalmente parou de cagar em tudo – pelo menos a casa já não cheirava tão mal. Minha mãe ligou – ta tudo bem mãe/ e a perna, melhorou? – não queria dizer pra ela a merda em que eu me encontrava.  A perna pelo menos melhorava. Agora faltavam só dois meses de pinos. Depois cirurgia e fisioterapia. De alguma forma me sentia culpado pela perna dela, primeiro porque foi o meu cachorro que estava preso no quintal, segundo porque foi culpa da minha maré de falta de sorte (descobri que falar azar dá azar - ops).
Comi a ultima banana da fruteira. A lata de arroz tava quase vazia. Mamãe precisava saber. Quatro reais no bolso. Era a passagem de ônibus apenas. Ida e volta. O ponto era em frente à uma casa lotérica. O vendedor falou – é burro na cabeça. 0912, milhar boa, vai uma ai? – aquilo era ultrajante. O bilhete custava dois reais, o preço da passagem de volta, se a mamãe não estivesse em casa vou teria que voltar à pé, mas a coincidência é demais, 09/12 a data do meu aniversário - Não resisti, comprei.
Mamãe não estava em casa - Puta que pariu - São oito quilômetros de volta, a pé - porque gastei minha grana nessa merda de bilhete? – Cachaça sempre tem que te ofereça. Alves, ex-companheiro de trabalho, me chamou pra uma depois que nos encontramos no meio do caminho. Fiquei sem graça de pedir o dinheiro emprestado mas aceitei a aguardente de bom grado. Bebi o copo liso em dois goles. Aquilo era o melhor que eu tinha em dias. Na TV empoeirada do botequim, passava o jornal. O repórter com a voz empossada, engravato, falava à distância daquilo que eu vivia na pele – o desemprego subiu 2% em setembro e blá blá blá – parei de prestar atenção e comecei a conversar com o Alves. Cinco minutos depois ele pediu silencio. Olhou fixo pra televisão – perai, é o resultado da loto! – Olhei também, odiando ter gastado minha ultima grana com essa merda. Um minuto depois estava murmurando “finalmente acordou hein rapaz...” mais pra mim do que pra qualquer outra pessoa. Alves me pegou nesse momento meio desprevenido – Tá falando com quem cara? – perguntou com cara de riso – Nada não – respondi – só acabei de me tocar que Deus existe.

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