“Ônibus
é igual guarda-chuva, só que melhor!”.
Era
dessas pessoas que tem pensamentos desconexos, ninguém entende o que dizem.
Essa frase, no entanto, tinha um sentido totalmente racional, mas é
desnecessário gastar linhas aqui para explicá-la. Quem souber entender que a
entenda. Basta que saibam o contexto na qual ela foi criada. Um daqueles dias
tão abafados que fazem a gente duvidar que existam locais frios nesse planeta.
A chuva caiu de repente, a sombrinha velha o vento jogou pra longe. Chegou
encharcada no ponto de ônibus. Foi então que o pensamento lhe ocorreu.
Que
fique claro: todos temos pensamentos que não fazem nenhum sentido. O problema é
quando nos escapam – Ontem sonhei com cangurus... – disse certa vez a uma
amiga, depois de cinco minutos de um silêncio incômodo. O silencio continuou, diante da incapacidade
existente de dar uma resposta à altura para aquela afirmação.
Encharcada
e suada, entrou no ônibus cheio, quente e fedido. A blusa grudava nos seios e
delineava o corpo, mostrando um sexo reprimido, mas que estava ali, esperando
para ser tocado - A repressão veio de criança, das afirmações da família sobre
a mulher ter que se dar valor, não poder ser exibida. Pai e mãe machistas, ainda
que não soubessem que o eram. – o que
para a maioria era um suplício, para ela era o momento mais esperado do dia. O cheiro
de suor, o toque involuntário com as pessoas tinha algo de sensual que não lhe
era compreensível. O calor que sentia já não era mais da temperatura, mas
então, de onde vinha? – É uma coisa que veio me subindo aqui pelas partes, me
arrupiou o pescoço... – disse mais tarde ao padre. Não podia conceber ter
aquelas sensações e não se confessar depois.
Mesmo
que excitado com a história o padre a fez penitência, ela catolicamente pagou,
com 50 Padre Nosso e 100 Ave-Marias, além de pagar o dízimo em dobro. Enquanto
rezava em voz alta – ajoelhada no milho, como pagamento extra por aquilo que
não teve coragem de confessar e não admitia nem pra si mesma - seus pensamentos
iam e vinham, um turbilhão constante. Centenas de imagens de uma única vez. Um
homem alto no ônibus, ombros largos, barba por fazer, que encostou as costas
suadas nas suas, o contato foi elétrico. Ao mesmo tempo viu os peitos da mulher
que estava sentada a sua frente, redondos, grandes, macios e com uma suave
pelugem, balançavam suavemente junto com as suspensões do veiculo. Aquilo lhe
rendeu um conjunto erótico memorável que, junto com o cheiro de gente suada, a
fazia sussurrar - perdoa Deus, perdoa
eu. Tira essas imagem do Demo da minha cabeça – pobre diabo, culpa alguma
tinha.
Jamais
entendeu a diferença entre simples e simplória, e por isso se humilhava
constantemente na tentativa de se mostrar humilde. – lembra de mim? Joãzinho, filho da Mariinha
que morava lá perto da sua casa. Lembra? – Lhe diziam os camelôs. Ela sempre
acreditava. Na verdade caia nessa lábia mais por um papel social do que por
acreditar. Nunca se lembrou de João ou Maria alguma, mas aprendeu a acreditar
nas pessoas, e por isso acreditava.
Seria
uma santa para todos que a vissem, apenas ela não se acreditava santa – essas coisa
que fico imaginando, isso num é coisa de santo não – dizia sem pensar que todos
seus santos provavelmente pensaram coisas parecidas. Certa noite, acabou que se
atrasou para chegar em casa. Uma colega de trabalho insistiu o dia todo para
que participasse de uma festa sua de noivado. Lá sentiu pela primeira vez o gosto
do álcool. Tomou sem saber, enganada por um copo de suco. Sentiu a leveza de
não ser apenas o que lhe mandavam. Um rapaz sentou ao seu lado, tinha cheiro de
madeira e voz macia. Era demais para aquela situação. Se imaginou instantaneamente
de branco, com véu e grinalda, e casada com aquele cheiro. O toque sutil em seu
ombro fez um estremecimento passar por todo o corpo. Estava experimentando a
magia adolescente na iminência dos quarenta anos. Quase a invejo, agora vejo
que é privilegiada.
Não
sabe ao certo o momento em que levantou do sofá e acompanhou o cheiro de
madeira até uma parte de fora da casa. Andou timidamente de encontro a um corpo
duro, sólido, que a abraçou como se fosse uma criança. Jamais soube como se
beijava, mas no momento do beijo, simplesmente se beija, não é necessário um aprendizado
anterior. É dessas coisas que vem na nossa pré-programação. Já agora entendia o
calor. Sim, era esse o calor que sentia no ônibus, ou quando via um outdoor de biquínis,
ou lembrava daqueles peitos balançando. Era esse calor que a mantinha acordada,
e que fazia suar um suor pegajoso entre as pernas, esse era o calor que a fazia
se confessar ao padre...
A
lembrança do padre desfez o torpor. Correu pra casa, jogou milho no chão,
quebrou um copo, ajoelho sobre a mistura de cacos de vidro e cereal. Enrolou o
rosário na mão e rezou duzentas Ave-Marias.
Gostei do texto, coleguinha iniciante :)
ResponderExcluir50 tons de Flávio Christo HAHA!
Texto muito interessante, direto porém aveludado.
ResponderExcluirVoto por mais produções, parabéns!
Assim que a inspiração me visitar de novo chega mais coisa! ashasuaahuahus
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